top of page
Buscar
Foto do escritorPor Augusto de Queiroz Pedrazzi

Acima e abaixo da superfície

Um olhar integrado sobre o boi produtivo envolve muitas questões, principalmente do solo que os sustenta em pé, em todos os sentidos. Não há nada a se inventar, apenas seguir uma cartilha.

Gado em boas condições de manejo, acostumado à rotina de mudanças de piquetes.

Quando olhamos para o solo que temos na propriedade, não podemos deixar de olhar para as áreas degradadas, pois há, possivelmente, aquelas onde há mais argila, mais nutrientes e melhor textura, contudo extremamente pobres em vida orgânica. Essas só dão alguma resposta durante os períodos de chuvas. Isso implica dizer que, na seca, a produção cai vertiginosamente.


À parte isso, ainda é possível se deparar com áreas de relevo mais acidentado, com incidência de erosão laminar e grotas. E tudo pode ser agravado se elas estiverem em região de muitas nascentes e vales, onde o processo é natural na formação de minas d’água, veredas, riachos etc.


Este é um quadro importante já que pode comprometer vários hectares. Mas a notícia boa vem do fato deste quadro poder ser minimizado. Para reduzir as áreas de ocorrência de erosão é preciso de manejo, ajustando a densidade (peso animal por hectare), oferecendo mais descanso ao pasto por meio da vedação e limpando-as de invasoras muito agressivas. Aqui estamos buscando maior cobertura do solo, em termos de forragem.


Dessa forma, com poucos investimentos, ao longo das temporadas notamos a diminuição do problema. A estratégia é primordial quando falamos de maior produtividade nos rincões tropicais; claro que ignorando os vultosos custos necessários para se mudar o meio ambiente. Então, antes dos absurdos do dinheiro, vamos entender o comportamento do nosso solo e fazer o acessível corriqueiro.


Vemos muitos técnicos e pecuaristas preocupados com a variedade de capim em oferta ao gado. Embora seja uma preocupação justa, ela está em plano secundário se considerarmos questões como o comportamento do solo na fazenda. Estamos falando de ações básicas e inteligentes que podem alavancar a produção e o caixa.


Após a vedação, pastagem com vigor na rebrota, estimulada por um bom manejo nas águas.

Lembrando que uma coisa puxa a outra: aumento na produção significa mais recursos; mais dinheiro, maior capacidade de investimento em adubação, por exemplo. Manejo, inclusive com menos revolvimento do solo significa o renascimento de gramíneas nativas. No meu caso vi rebrotar colonião.


Vale dizer que não sou contra a variação de forrageiras, desde que em mixes. Comer só arroz todo dia não dá saúde a ninguém. O próprio solo precisa de composição botânica, portanto, de variabilidade de vegetais. Ela estimula o incremento orgânico do solo e seu próprio vigor. A ecologia precisa ser entendida. Não se trata de apenas paisagem verde e sim de diversidade verde.


Cada tipo de planta trabalha a terra de forma própria. Consome e depõe nutrientes diferentes e necessários. Essa simbiose evolui e se expande em direção aos animais, acima e abaixo da superfície. Animais como os herbívoros desempenham papel fundamental no fechamento de ciclos virtuosos desses ambientes.


O gado é uma grande usina de dinâmica de carbono. As áreas de cerrado que não tem gado ou herbívoros silvestres em volume, normalmente, também degradam; pois as forrageiras não têm a ciclagem necessária. Suas folhas não são consumidas, logo, travam seu crescimento. Claro que o pousio, o descanso, sempre é necessário, mas seu consumo urge.


Quando não temos a pressão de herbívoros em certos ambientes, alguns ciclos interrompem. Então é um erro retirá-los de áreas que estão em processo de degradação. Sua presença, manejada corretamente, é fator de preservação e restauração. Sempre reforçando o monitoramento dos impactos. Largar o gado o ano inteiro é um erro maior e só contribui ainda mais para a erosão.


A adoção de técnicas estratégicas – manejo de áreas mais úmidas – deve ser implementada para maximizar resultados. Durante os períodos mais secos, esses modos de fazer são importantes para evitar carreamento (exclusão obrigatória) de gado. Então, o monitoramento, o acompanhamento sistemático é obrigatório.


Esses processos de manejo e monitoramento são muito mais exigentes do que aqueles previstos para o gado no curral. Perder gado por quebradeira no curral é muito mais barato do que perder hectare de terra. O primeiro é mais imediato. O segundo implica perder muito mais cabeças ao longo do tempo.


Quando se fala de mata de cerrado, caatinga e transições, apesar de haver mapeamento, cada microrregião tem seu comportamento, conforme até umidade relativa do ar. Até mais que regime de chuvas. Vale lembrar que grande parte dos solos de qualidade que existem no Brasil estão no Nordeste. O problema é a umidade. Dois dias de chuva e tudo muda.


Exemplificando qualidade de solo, na região da Mata Atlântica, quando ela é desmatada, há uma diminuição muito grande das forragens e dos compostos que fornecem biomassa para o solo. Apesar de muito fértil, ele é muito exigente. Uma vez sem sua vegetação natural de cobertura, sua fertilidade passa a ser muito dependente de insumos; logo, dispendiosa.


O cerrado e a caatinga são muito mais responsivos ao pastejo, quase ideais ao pastejo. Por isso entendo, assim como outros, que somos o País do “boi verde”, aquele que a forrageira mantém. Atualmente, com as ferramentas de desempenho, como a ultrassonografia de carcaça, temos como antever a genética mais efetiva aos vários modelos de produção.


Na verdade, falamos de coisa simples. Vamos replicar animais que respondem ao meio ambiente oferecido e não aqueles demorados, custosos e que pouco respondem. Cálculos de especialistas dizem que a genética custa apenas 2% de cada animal, no ciclo. Logo, podemos entender que um bom touro provado se paga em uma única geração.


A boa pecuária é aquela que traz satisfação; portanto, resultados motivadores. É todo um emaranhado de agentes que afetam tudo. Conhecimento e planejamento, sempre bem assessorado, é sinônimo de sobrevivência e bons lucros. Lembre-se sempre do gancho: às vezes um bezerro mais leve e precoce rende mais que um mais tardio e pesado.


O que paga a conta é o rendimento de carne. É o que o frigorífico, nosso cliente, remunera. Melhor compreendendo, investir em genética no rendimento de carne e desempenho zootécnico, ainda influi diretamente na qualidade das fêmeas que serão as grandes produtoras de bezerros, portanto, lucro. O tal círculo virtuoso!


*Por Augusto de Queiroz Pedrazzi: Engenheiro agrônomo, administrador rural e especialista em gestão de áreas degradadas, além de produção de bovinos eficientes de corte.

Reportagem publicada na edição de abril de 2022 da revistanelore. Leia a edição completa AQUI.

Comments


1270x190-1.gif
bottom of page